Exigência de diploma fere Carta, inibe melhoria técnica do jornalismo e se configura anacronismo na era da internet
Passados 18 anos da promulgação da Constituição Federal, que pôs um ponto final em mais de duas décadas de exceção ao Estado de Direito, assombram ainda a esfera pública brasileira certos diplomas legais que merecem cabalmente o qualificativo de "entulho autoritário".
Entre eles sobressai o decreto-lei 972/69, que estipula a obrigatoriedade do diploma de jornalista para obtenção de registro profissional -não por muito tempo mais, espera-se, agora que tal atentado à liberdade se encontra sob exame da instância máxima da Justiça, o Supremo Tribunal Federal.
Na última terça-feira, o STF confirmou por unanimidade a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes suspendendo a exigência. O relator havia decidido serem suficientes as ponderações do Ministério Público Federal (MPF) em prol da medida cautelar, ao argumentar que havia ameaça aos direitos de um elevado número de jornalistas que exercem hoje a profissão sem cumprir as exorbitantes determinações do decreto-lei de 1969 (este havia sido baixado pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, em 17 de outubro de 1969, com apoio nos atos institucionais nº 16 e nº 5).
É com a convicção de que esse decreto conspurca a ordem constitucional que esta Folha -pioneira na insubmissão à tutela do diploma- vem saudando as iniciativas do MPF para sustar seus efeitos antidemocráticos. Bem antes delas, já se destacava na defesa dos princípios consagrados nos vários artigos da Constituição de 1988 que aniquilam a sanha controladora: liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX); liberdade de profissão (art. 5º, inciso XIII); e proibição de embaraço legal à liberdade de informação jornalística (art. 220, parágrafo 1º).
Em acréscimo, é imperioso anotar que não cabe analogia entre a profissão jornalística e outras que, por demandarem capacidade técnica específica para prevenir malefícios à coletividade, devem permanecer controladas. No mundo inteiro assim se procede com médicos, engenheiros e farmacêuticos, cuja imperícia pode causar graves danos. O Brasil está entre as raras nações que optaram por sujeitar também os profissionais de imprensa a uma tutela incompatível com a livre circulação de idéias, opiniões e informações.
Em outubro de 2001, tais princípios foram reafirmados em memorável decisão liminar da Justiça Federal suspendendo a exigência do diploma. Agremiações de jornalistas recorreram da decisão, demonstrando mais uma vez a disposição policialesca de interditar redações a profissionais talentosos e especialistas que não tenham passado antes no cartório consagrado por sindicatos e escolas de comunicação. Voltaram as costas, como é seu hábito, aos interesses do público, impedindo-o de julgar e escolher por meios próprios os profissionais competentes para lhe trazer informação.
Cinco anos depois, essa visão estreita terminou referendada pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que reinstaurou a exigência do diploma. O MPF apresentou então recurso extraordinário ao Supremo, sustentando que o decreto-lei 972 não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por violação flagrante dos artigos citados. Após a concessão da liminar, aguarda-se para breve o julgamento de mérito do recurso extraordinário pelo STF. Será uma decisão histórica. No momento em que novas mídias franqueiam canais de informação para quantidade crescente de pessoas, permeando a barreira artificial erguida entre jornalistas e cidadãos, o país enfim decidirá se mantém essa reserva de mercado anacrônica, corporativista e liberticida.
Entre eles sobressai o decreto-lei 972/69, que estipula a obrigatoriedade do diploma de jornalista para obtenção de registro profissional -não por muito tempo mais, espera-se, agora que tal atentado à liberdade se encontra sob exame da instância máxima da Justiça, o Supremo Tribunal Federal.
Na última terça-feira, o STF confirmou por unanimidade a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes suspendendo a exigência. O relator havia decidido serem suficientes as ponderações do Ministério Público Federal (MPF) em prol da medida cautelar, ao argumentar que havia ameaça aos direitos de um elevado número de jornalistas que exercem hoje a profissão sem cumprir as exorbitantes determinações do decreto-lei de 1969 (este havia sido baixado pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, em 17 de outubro de 1969, com apoio nos atos institucionais nº 16 e nº 5).
É com a convicção de que esse decreto conspurca a ordem constitucional que esta Folha -pioneira na insubmissão à tutela do diploma- vem saudando as iniciativas do MPF para sustar seus efeitos antidemocráticos. Bem antes delas, já se destacava na defesa dos princípios consagrados nos vários artigos da Constituição de 1988 que aniquilam a sanha controladora: liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX); liberdade de profissão (art. 5º, inciso XIII); e proibição de embaraço legal à liberdade de informação jornalística (art. 220, parágrafo 1º).
Em acréscimo, é imperioso anotar que não cabe analogia entre a profissão jornalística e outras que, por demandarem capacidade técnica específica para prevenir malefícios à coletividade, devem permanecer controladas. No mundo inteiro assim se procede com médicos, engenheiros e farmacêuticos, cuja imperícia pode causar graves danos. O Brasil está entre as raras nações que optaram por sujeitar também os profissionais de imprensa a uma tutela incompatível com a livre circulação de idéias, opiniões e informações.
Em outubro de 2001, tais princípios foram reafirmados em memorável decisão liminar da Justiça Federal suspendendo a exigência do diploma. Agremiações de jornalistas recorreram da decisão, demonstrando mais uma vez a disposição policialesca de interditar redações a profissionais talentosos e especialistas que não tenham passado antes no cartório consagrado por sindicatos e escolas de comunicação. Voltaram as costas, como é seu hábito, aos interesses do público, impedindo-o de julgar e escolher por meios próprios os profissionais competentes para lhe trazer informação.
Cinco anos depois, essa visão estreita terminou referendada pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que reinstaurou a exigência do diploma. O MPF apresentou então recurso extraordinário ao Supremo, sustentando que o decreto-lei 972 não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por violação flagrante dos artigos citados. Após a concessão da liminar, aguarda-se para breve o julgamento de mérito do recurso extraordinário pelo STF. Será uma decisão histórica. No momento em que novas mídias franqueiam canais de informação para quantidade crescente de pessoas, permeando a barreira artificial erguida entre jornalistas e cidadãos, o país enfim decidirá se mantém essa reserva de mercado anacrônica, corporativista e liberticida.
Editorial da Folha de São Paulo
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