* Adércio Dias
Sempre ouvi dizer que gosto, religião e futebol não se discutem. Religiões, já freqüentei várias para tentar descobrir qual é a minha. Ainda não encontrei. Sobre futebol, pouco posso discutir, pois ao longo de anos vivendo em São Paulo, desenvolvi uma simpatia pelo Palmeiras, que, aliás, não vai bem no Campeonato Brasileiro. Sobre música, ah... nesse ponto sou radical. Discuto e não me canso de defender a qualidade musical. Por essa minha intransigência, acabei por me indispor com alguns colegas de faculdade por não admitir no baile da minha formatura lixos anti-musicais. Afinal, na festa que vai coroar o meu esforço e o de dezenas de novos bacharéis em Direito, depois de fazer o melhor, não quero ouvir nem apresentar o pior.
É por isso que me senti no direito de interferir e cerrar fileiras na defesa recentemente feita pelo jornalista Rondineli Gonzalez da verdadeira música brasileira. Concordo. É insuportável a deturpação da música com que nos deparamos cotidianamente. A população, sobretudo a menos favorecida, é bombardeada constantemente com dejetos como “Lapada na Rachada”, “Calypso”, “Limão com Mel”, “Caviar com Rapadura”, “Mastruz com Leite” e outras misturas indigestas.
Certo dia, ao caminhar pelo centro de Porto Velho, não pude deixar de ouvir o som vindo de uma loja, ampliando a poluição sonora que já existe sem nenhum controle. Era uma repetição irritante em uma voz igualmente insuportável, emoldurada por um arranjo deplorável que dizia “pirulitu tu tu... pirulitu tu tu...”. O mais curioso era observar que as pessoas ao redor também cantavam, e com o sincronismo de quem ouve um hit. Novamente me lembrou Gonzalez, com sua trilha sonora do transporte coletivo: “é o seu vizinho que quer comer meu cu...elhinho...”. Imagino que a fossa de onde vêm essas “pérolas” seja inesgotável.
Agora, cabe questionar como a população menos favorecida pode ter gosto diferente, se não tem acesso à verdadeira música? Não pode pagar R$ 30,00 por um CD de Jorge Vercilo, Djavan, Tom Jobim, Nana Caymi, Chico Buarque, Paulinho da Viola, e tantos outros bons (ótimos) da música brasileira! DVD’s piratas das “fezes” musicais custam em média R$ 5,00 na Avenida 7 de Setembro. É mais acessível.
Aí me lembro da brilhante apresentação do maestro Arthur Moreira Lima no bairro Esperança da Comunidade. A escolha do local foi muito criticada por setores da imprensa. Mas a apresentação estava lotada, de moradores da periferia de Porto Velho. Entre as pessoas que conheço de gosto musical refinado encontrei na apresentação a jornalista Simone Norberto, o cineasta Jurandir Costa, que não foram a trabalho; e muitos moradores da periferia.
Assisti a pelo menos três apresentações de Arthur Moreira Lima no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em nenhuma delas a entrada custou menos de R$ 50,00. No bairro Esperança da Comunidade foi grátis, em um campo de futebol. E quem disse que o “povão” não gostou? A minha conclusão é que se a população não tem acesso à boa música, não pode gostar do que não conhece.
Na rua, nas festas, no rádio, nem sempre ouço o que eu gosto. Por isso, acho que devemos valorizar cada oportunidade que temos para mostrar aos amigos, conhecidos e convidados, a boa música. Faço parte dos formandos que durante cinco anos juntaram um dinheirinho para pagar a comemoração da formatura, nela incluída a banda que vai animar a festa. Dizem que é a melhor que há no mercado, e não custou nada barato. Depois da festa não terei nenhum receio de divulgar a quem interessar possa, se a banda é digna de ser contratada por outras turmas de formandos ou para qualquer outra festa que preza pela qualidade musical.
Jamais quis impor o meu gosto musical. Até porque, além do Gessy Taborda, do Rondineli Gonzalez, do Renato Machado (jornalistas) e do juiz Carlos Augusto Gomes Lobo, não conheço muitas outras pessoas que gostam de jazz, blues, de rock clássico e da boa música brasileira. Aliás, sempre tive a curiosidade de ouvir toda a coleção de CDs do Taborda. Mas isso já é outra história.
* Jornalista e formando em Direito
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